quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Áurea Sampaio e o famoso Jornal Nacional de sexta-feira

No seu artigo de opinião semanal, "Cartas na Mesa", inserido na Revista Visão, intitulado "Apagão na TV", a jornalista Áurea Sampaio escreve sobre o caso Manuela Moura Guedes e o famoso Jornal Nacional TVi, de sexta-feira.

"Não há volta a dar. O apagão no Jornal Nacional conduzido por Manuela Moura Guedes é um acto de censura e um tiro na democracia. E é um acto tão condenável que quem deu a ordem não tem, até ao momento em que escrevo, a coragem de dar a cara e de explicar frontalmente as razões que levaram a essa decisão.
É um acto de censura porque, objectivamente, se calou um espaço noticioso que apostou fundo na exploração de um caso em que está envolvido o nome do primeiro-ministro, razão pela qual se tornou incómodo para o poder e, logo, para todos os que de algum modo esperam sempre colher benefícios de um bom relacionamento com quem detém esse mesmo poder.
É um acto de censura, porque se actuou à revelia da Lei de Imprensa, que consagra a independência da informação em relação à gestão, nos órgãos de comunicação social, com a agravante de, aparentemente, ninguém estar interessado em intervir, obrigando à reposição da legalidade democrática.
É um acto de censura, porque só as mentalidades totalitárias são incapazes de conviver com o escrutínio e a crítica, assumindo que só a Justiça poderá dirimir, julgar e condenar quem ultrapasse as regras.
É um tiro na democracia, porque não há democracia sem liberdade, sendo que, num Estado de Direito, esta só encontra limites na lei e não em interesses particulares de qualquer ordem.
É um tiro na democracia, porque a subversão das normas estabelecidas diminui, sobretudo, a capacidade dos mais fracos de se defenderem, logo, inibe o exercício pleno da liberdade. Quando não se sabe com o que contar, o medo instala-se e daí à paralisia dos actores sociais vai um passo.
É um tiro na democracia, porque não há nada mais gerador de dinâmicas sociais, nem nada mais exaltante para a criatividade do que o exercício pleno da liberdade.
É por tudo isto que o acto de fazer desaparecer Moura Guedes dos ecrãs da TVI não pode ser visto como um mero episódio de gestão administrativa. E não pode, porque, mesmo na hipótese académica de efectivamente o ser, as consequências que acarreta são de tal forma devastadoras para a qualidade da nossa democracia, que só a ingenuidade ou a má-fé permitem a sua desvalorização.
Tudo isto aconteceu num clima eleitoral em que se está a jogar o tudo por tudo. Sem poder absoluto de ninguém à vista - e ainda bem! -, qualquer acontecimento que contribua para lançar a confusão ajuda os oportunistas. Não havendo, por agora, clima para debater este assunto com a serenidade que merece, vamos ver se há, depois, a coragem e a coerência para dele tirar as devidas ilações.
O que é intolerável, é ver-se dirigentes do PS, qual Kalimeros, a gritar "conspiração", "cabala" ou "campanha negra" sempre que algo os atinge ou os põe em causa; o que é ridículo, é ouvir-se dirigentes do PSD falarem de "asfixia democrática", enquanto pactuam com as torpezas de Alberto João Jardim e colaboraram com o silenciamento de vozes incómodas; o que é dramático, é a discussão do que realmente interessa estar cada vez mais inquinada pela espuma dos dias, ou seja, pela partidarite aguda. Como se fosse essa a derradeira salvação de Portugal."

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